miércoles, 27 de junio de 2012

O ancestral em cena



Grupo guatemalteco Sotz´il apresenta espetáculo que funde espiritualidade e política

A profecia maia sobre o fim do mundo em 2012 já inspirou desde piadinhas na internet até reunião de arqueólogos e documentário na TV, e deve continuar em pauta até dezembro - prazo limite para o apocalipse dar cabo da existência humana. Há algum tempo, porém, novas análises de inscrições em ruínas dessa civilização desfizeram o mal entendido.

Esses e outros aspectos relacionados à secular cultura maia são o mote do espetáculo "Oxlajuj B´aqtun", do grupo guatemalteco Sotz´il, a ser encenado de hoje até sábado, em diferentes espaços da cidade, com acesso gratuito, dentro da programação do Zona de Transição - I Festival Internacional de Artes Cênicas do Ceará.

Por extenso, e traduzido para o português, o Sotz´il denomina-se Centro de Pesquisa e Planejamento de Desenvolvimento Maia - uma organização comunitária voltada à investigação, disseminação e preservação das raízes culturais do povo maia, de sua identidade e da memória de seus antepassados. As propostas do grupo, inclusive os trabalhos artísticos, são vinculadas a uma dimensão política e social, no sentido de superar problemas que afetam as populações indígenas e, de maneira mais geral, a sociedade da Guatemala, decorrentes do processo de colonização e de anos de guerra civil.

Nova era
Nesse sentido, foi idealizado o espetáculo "Oxlajuj B´aqtun", que reúne música, canto e dança ao longo de uma apresentação de natureza cerimonial, espécie de rito que revela mitos e personagens da cultura maia. Um deles trata justamente do encerramento de um ciclo temporal, de acordo com a perspectiva indígena, erroneamente interpretado no Ocidente como o "fim do mundo".

O calendário maia tem diferentes medidas de tempo, que variam de dias até uma porção de séculos, culminando em uma era, cuja duração é de 5,2 mil anos. A maior medida chama-se "b´aqtun", que, se multiplicada pelo número sagrado 13 (oxlajuj), resulta na duração de uma era. Daí o nome do espetáculo.

Segundo o diretor do espetáculo, Víctor Manuel Barillas, as quatro eras da história maia são a dos Animais, a dos Homens de Barro, a dos Homens de Madeira e a dos Homens de Milho, nessa ordem.

"Logo, neste momento está terminando a era dos Homens de Milho, mais precisamente em 21 de dezembro, quando passamos à era dos Homens da Claridade", explica o artista, que falou em entrevista por telefone ao Caderno 3 (com tradução da intérprete Luma Almeida de Freitas). Assim, ainda segundo o diretor, o espetáculo pretende contar ao mundo o que é o "b´actun", "uma data de transcendência, não apocalíptica. Por meio dele contamos o que nos contaram nossos avós e bisavós, o que vai acontecer nessa nova era", complementa.

No site do grupo, o espetáculo é descrito como "uma homenagem a todos os avôs e avós que lutam para manter o equilíbrio desde a Resistência do Povo Maia". A montagem conta com nove atores em cena, e requer espaços ao ar livre. Hoje, por exemplo, a apresentação acontece nos jardins do Theatro José de Alencar.

O figurino mistura máscaras, adereços e pinturas no corpo. Recentemente, o grupo apresentou trabalhos em países da América Central e no Brasil (em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte).

Resistência
O Sotz´il é formado por jovens da etnia kaqchikel e soma 12 anos de trabalhos artísticos e culturais. "Começamos com o desenvolvimento musical, depois passamos a explorar movimentos corporais e ancestrais e, posteriormente, aspectos da espiritualidade", conta Víctor Barillas. Hoje, os espetáculos propostos pelo grupo estão sempre vinculados à dimensões espiritual e política.

Ao longo dessa trajetória, um fato que teve profundo impacto no grupo foi a perda de seu fundador e guia espiritual, Lisandro Guarcax, sequestrado, torturado e assassinado em agosto de 2010, aos 32 anos de idade.

Junto a outros núcleos comunitários, Lisandro e os integrantes do Sotz´il são considerados responsáveis por impulsionar o movimento da juventude indígena na Guatemala, a partir do resgate e valorização da cultura maia e do desenvolvimento de expressões ancestrais.

"Ele marcou um caminho para nós. Em algum momento, a perda de Lisandro influi em uma cena de ´Oxlajuj B´aqtun´ , pois o que se passou com ele é o que está se passando com muitas outras pessoas que são líderes na Guatemala", explica Víctor.

"Por causa da herança da guerra, no país existe pouca tolerância para formas diferentes de pensar, e existem olhares obscuros que detém com violência movimentos como o do Sotz´il", complementa.

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