Por Valmir Santos
Revista de la VI Muestra Latinoamericana de Teatro de Grupo
O espectador brasileiro urbano convidado a partilhar a cultura ritual dos maia-kaqchikel sente que o mundo é um grande quintal. A arquitetura da Sala Adoniran Barbosa, sua arena quadrada e vazada, é transformada num coração da selva em que a imaginação se deixa orquestrar pela música de sopro e percussiva, pelo incenso, pelo fogo, pelas máscaras, pelo espaço cênico circular que concerne ao fio da dramaturgia expressa por meio de outros elementos da cena que não só o verbo, “dialetos” outros à margem da cartografia teatral moldada pelo mundo ocidental.
A cena ritual Oxlajuj b’aqtun, com a qual o Grupo Sotzi’l abre esta VI Mostra de Teatro de Grupo, compõe uma narrativa própria de minúcias e rigores acessados por meio de heranças ancestrais. Essa percepção dilatada do tempo e do espaço é transmitida com um profundo sentido de respeito à natureza, sem o cunho moral dos dias pragmáticos de hoje. Os sete integrantes do elenco, uma mulher incluída, não sublinham jamais a interpretação. Ao contrário. A lei da inerência transparece no olhar que deixa ver, na mão humana em sua animalidade, no corpo que carrega outra pele ou mesmo outro corpo, no espírito da onça-pintada que evanesce.
Apesar das remissões claras aos ritos afrodescendentes e às raízes autóctones familiares à formação brasileira, o trabalho do Grupo Sotz’il chama a atenção pela transcendência: o apuro técnico e formal à maneira do Nô ou do Kabuki japoneses, tal o grau de sincronismo entre música, dança, teatro e artes plásticas. Para não falar do fundo espiritual que também lhes tocam.
Ligado a um centro cultural que demarca a identidade do seu povo na Guatemala, o Sotz’il (morcego, na língua maia) ergue uma aura política poderosa na dignidade e na reverência aos antepassados com que seus artistas indígenas se postam no círculo de velas, frutas, folhas. O grupo cênico-musical que soma uma década de diálogo com a tradição consegue transbordar consciência crítica sem apelar ao discurso do oprimido, por exemplo. Não necessita porta-voz, dispensa o aplauso indulgente.
A passagem especial dos maia-kaqchikel pela cidade de São Paulo, no contexto da Mostra e do enlaço multicultural da semana de espetáculos e demonstrações de processos, nos faz pensar que as energias foram convocadas em boa hora, conforme as ancas da subjetividade demasiado humanas. O sagrado está dado, e com ela uma dor secular que não cessa.
Por Jesús J. Barquet
Revista de la VI Muestra Latinoamericana de Teatro de Grupo
Reflexionar sobre el acontecimiento indicado por el título (fin de una era e inicio de otra en que la humanidad será más sabia y armónica) le permitió a Sotz’il elaborar una obra sobre la existencia humana en general a partir tanto de los principios cosmogónicos y espirituales de la cultura maya kaqchikel, como de su experiencia histórica de etnia excluida y satanizada por más de cinco siglos.
Aunque por momentos entrevemos cruzamientos con otras culturas, casi todos los signos son obvias referencias al mundo maya kaqchikel: el vestuario, las máscaras, la música, los instrumentos musicales, la danza, el lenguaje, el juego de pelota, las figuras del jaguar y los gemelos enfrentados a los señores de Xibalba. Incluso el segmento climático en que Jun Ajpu es obligado a “representar al indígena” mientras su espíritu-Jaguar es apresado y emborrachado nos habla también de las vivencias de estas comunidades en Nuestra América.
Esa coherente referencialidad sirve para hablarnos de la universalidad de dicha cultura en lo filosófico y espiritual, así como para denunciar, mediante el segmento citado, toda degradación cultural operada sobre cualquier grupo subalterno. Resulta universal la concepción maya kaqchikel de la existencia humana no solo como lucha entre opuestos, sino también como difícil pero no imposible resistencia y reafirmación ante las mayores adversidades que busquen romper la armonía que debe regir la vida. Pero recordemos: Oxlajuj b’aqtun es también un renacer y en esto hay un aviso esperanzador.
Si bien Sotz’il nos (re)presenta esta lucha, resistencia y reafirmación desde una perspectiva étnico-identitaria, su propuesta es pertinente a otros aspectos humanos también históricamente subalternos. La excelencia de esta pieza está en haber sabido hablar a (y de) lo universal a partir de una fidelidad plural a su cultura particular.
Comenzar la muestra con esta obra es un acierto. Sotz’il recuerda que somos multilingües; que nuestras vanguardias expresivas pueden integrar estas cosmovisiones y ceremonias aún inéditas para parte de nuestra población; que la antropología teatral tiene aún mucho que hallar aquí para enriquecer nuestro teatro; que la creación colectiva actual puede lograr obras tan coherentes en forma y contenido como esta; que conocer y entender el pasado puede ayudar a orientarnos en el futuro, porque aún puede haber o hay sentido en esta tierra que Jun Ajpu, renovado y esperanzado, bendice y besa tras haberla vivido.
(Fotos: Taína Azevedo)
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